A entrega da Ponte Torta à comunidade, em evento das 17h às 22h neste domingo (13), em comemoração aos 360 anos do reconhecimento de Jundiaí como vila colonial em 1655, causa boas sensações a moradores que consideram importante para a cidade valorizar sua própria história e identidade.
Muitas delas contribuíram ao longo do projeto Ações de Conservação e Zeladoria da Ponte Torta, lançado em setembro de 2014 e que envolveu tanto a pesquisa técnica de recuperação ou até substituições de tijolos originários do século 19 como a pesquisa de memória social que contou com especialistas e moradores.
Do uso da ponte para a passagem de carroças de banana até o reconhecimento de seu papel como símbolo popular no uso para bebidas, garapas ou blocos carnavalescos, o projeto revelou uma outra camada da cidade que estava oculta atrás do abandono e do isolamento em que a Ponte Torta havia sido colocada.
O projeto implementado pelo prefeito Pedro Bigardi, pela Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente e pelo Estúdio Sarasá, mostrou também que a Ponte Torta, aberta no mesmo de ano de 1888 que marcou a abolição parcial do regime escravo e o início oficial do núcleo da imigração italiana, representou também um marco da transformação urbana, que levaria café, da ferrovia e das tropas de cavalos para a industrialização da então Jundiahy com fortes focos têxtil na Vila Arens e cerâmico na Ponte, marcando a era industrial-operária do século 20.
Confira a opinião de alguns participantes:
O arquiteto e pesquisador de história, Roberto Franco Bueno, afirma aos 81 anos que Jundiaí aponta um rumo importante com a revalorização da Ponte Torta. “Não é apenas uma questão de cuidar da ponte, mas representa a necessidade de cuidarmos da cidade e de suas tradições”, afirma ele, lembrando que a bandeira do município indica também 400 anos de povoação.
Autor de um dos livros sobre os dois primeiros séculos, “Villa Fermosa de Nossa Senhora do Destêrro do Matto Grosso de Jundiahy”, e terminando um novo volume, ele defende que a cidade tem uma história riquíssima e que deve ser vista como matéria prima importante desde seus povos nativos até seus imigrantes portugueses, africanos, italianos, armênios, turcos, orientais e tantos outros.
“Lamento que tenhamos demorado tanto tempo para despertarmos para isso. Eu mesmo, como profissional, trabalhei em projeto que demoliu a casa da Nhá Poli, na região da praça da Bandeira, que era um dos mais importantes curtumes dos tempos das tropas de cavalos. E tantos outros profissionais e proprietários demoliram casas de taipa e construções que ainda poderiam estar conosco, com outros usos. Por isso é importante corrigir o rumo”, afirma.
A artesã Odila Grella de Oliveira, de 55 anos, fica orgulhosa ao ser reconhecida como autora de réplicas em miniatura da Ponte Torta dentro dos diversos tipos de trabalhos feitos no programa Jundiaí Feito à Mão. Ela relembra que o trabalho de criação, feito com materiais reciclados, contou com muita pesquisa e o apoio do companheiro Ademar para a solução do arco que é a marca típica do monumento.
“Há algum tempo recebemos uma orientação do programa para buscarmos valorizar o patrimônio de Jundiaí. Quando decidi pela Ponte Torta, pouco mais tarde surgiu esse movimento bonito que agora chega ao seu resultado”, afirma.
Para ela, a cidade oferece muitas fontes de inspiração para as pessoas e isso é importante para a comunidade. Um dos motivos é exatamente o seu tempo de existência, que agora chega aos 360 anos apenas de reconhecimento como vila colonial no século 17. “E também nossa natureza”, destaca.
Maria Tercília Espadoni e Valdomiro José Imperato, ambos com 85 anos, afirmam que a Ponte Torta é uma referência para suas vidas e muitas outras da cidade. Ela morava na então rua José do Patrocínio, bem próximo do monumento e ainda antes de virar avenida. Ele morava na Vila Progresso mas estudava no Centro e passava todos os dias pela ponte para ir para a escola, coincidindo com o apito da Fábrica São Bento no horário das dez para o meio dia.
“Para mim é uma lembrança do meu passado, que resgata minha infância”, afirma ele. O casal se recorda até mesmo de um banco alinhado então ao primeiro degrau da ponte, que se prolongava até a sombra de uma árvore vizinha, onde conhecidos namoraram durante meio século sem chegar ao casamento… e também de muitas histórias curiosas ou engraçadas.
Para a professora e artista plástica Ignez de Castro, o agora monumento é uma conquista do povo jundiaiense. Com seu nome artístico Dadí, tornou-se autora da história em quadrinhos “O Grande Desaponte”, republicada neste ano na revista As Periquitas (Editorial Kalaco). De forma ilustrada, ela conta de forma ilustrada com personagens animais como a Prefeitura decidiu demolir a Ponte Torta na década de 1980, enfrentando uma grande mobilização popular que impediu essa intenção mas deixou como marca uma ponte com um dos lados afastados de sua margem.
“Achava-se então que a ponte atrapalhava o chamado progresso. Mas descobrirmos que não era apenas uma ponte, mas a ponte. Fiquei triste por ainda não ter sido cuidada e ter perdido sua função mais útil, de ter continuado como um monumento abandonado. Agora está sendo reconhecida”, afirma. Ela admite uma certa conexão entre seu traço na HQ com obras clássicas dos quadrinhos como em “O Edifício”, de Will Eisner, que aborda exatamente o valor do tempo acumulado.
Para o professor Maurício Ferreira, de 53 anos, a emoção de ver a Ponte Torta sendo revitalizada deve ser motivo de celebração para a cidade. “Para mim, ela é como se fosse a nossa uva Niagara Rosada. São referências de nossa história”, afirma. Ele admite lembrar-se ainda criança de sair depois de um filme no Cine Teatro Polytheama e sentar nos degraus para imaginar os tempos em que a ponte recebia bondinhos antigos e também nas milhares de pessoas que já haviam passado por ali.
Conhecido por organizar um dos maiores acervos de fotografias antigas da cidade a partir da digitalização de imagens de pessoas ou famílias (ao lado da atividade no Sebo Jundiaí), ele considera uma mudança importante de postura da cidade em relação à sua própria memória coletiva.
O advogado e jornalista Picoco Bárbaro, de 70 anos, acredita que o trabalho na Ponte Torta mostra que é possível o que chama de reaproveitamento das memórias, das lembranças. “Não é um saudosismo, mas um reconhecimento de que a história da cidade é formada pela história das pessoas e isso pode gerar benefícios para a cidade e para todos”, afirma.
Dentro dessa linha de raciocínio e lembrando que conheceu a Ponte Torta também com as histórias de seus pais, ele diz que na vida de todas as pessoas o passado sempre está muito presente, mesmo que não queiram observar isso. “Isso é o que oferece as condições para projetar não apenas o aqui e agora, mas o futuro”.
Ele também afirma que seus sentimentos sobre a Ponte Torta não seguem critérios técnicos ou artísticos mas, como diz seu amigo Norival Sutti, um “olhar vagabundo” de emoções soltas, de felicidade sem motivo, do inconsciente sendo liberado para tijolo a tijolo construir uma história. Como o efêmero constituindo o eterno, seja ele pirâmides, palácios, teatros, edifícios, estradas, túneis e pontes.
O professor e historiador Alexandre de Oliveira, de 41 anos, afirma que um dos sintomas positivos do projeto realizado na Ponte Torta foi o envolvimento da comunidade ao longo de diversas etapas. Para ele, o conceito chamado historicidade não é uma teoria restrita aos livros especializados.
“É uma coisa viva, que deve permitir para as pessoas enxergarem as diversas camadas profundas que estão presentes em sua cidade, em seu bairro, em sua rua”, afirma sobre a importância das referências.
Atuando junto ao Museu Histórico e Cultural, ele também coloca a importância das fontes documentais ao lado das memórias da comunidade. Um desses casos é a revista jundiaiense Sultana, que em 1923 narrava a história da companhia de bondes que existiu, depois da construção da Ponte Torta entre 1886 e 1888, apenas de 1892 a 1897. A ponte, então, tornou-se de uso comunitário. “O sentido social da ponte justifica sua conservação”, afirma.
Prefeitura de Jundiaí